Uma das características da
educação dos meus pais é cumprir o que prometem, sejam para agradar algum dos
filhos ou mesmo o contrário. Quando criança bastava um olhar para dizer muitas
coisas e essas palavras mais tarde se traduzia em ação. Implicitamente o que
era prometido sempre fora cumprido, nunca falhava e por força maior poderia ser
adiado, nunca esquecido.
A primeira decepção que tive com
os adultos foi exatamente o tal do prometer e não cumprir, uma vez que estava
habituado com a promessa cumprida o contrário me jogou em um mundo que não
conhecia.
Antes da primeira série do primário,
hoje ensino fundamental, existia o pré-primário, uma espécie de nivelamento dos
alunos para que todos estivessem no mesmo nível no início do ano letivo. No
final do pré-primário os professores faziam uma espécie de gincana, onde todos
os alunos participavam de brincadeiras e os que ganhavam poderia escolher um
brinquedo.
Formaram grupos e por algum
motivo acabei ficando fora de todos, fiquei a vagar pelo pátio vendo as demais
crianças brincando. Em uma dessas brincadeiras dividiram as crianças em dois
grupos e deram uma corda para que cada grupo puxasse de cada lado, essa
brincadeira é conhecia como “Cabo de Guerra”. Ao formar os grupos pedi a professora
que organizava a brincadeira para poder participar, ela olhou para mim e disse
que os grupos estavam formados e que na próxima rodada eu seria chamado. Fiquei
esperando.
Os grupos se desfizeram e aguardando a
promessa da professora fiquei.
Passado algum tempo desisti e
esperar, saí andando desolado pelo pátio, uma tristeza abaixara sobre mim, o
que era alegria, esperança deu lugar a decepção.
Algum tempo depois todos os
alunos foram reunidos e levados à sala de aula. A alegria era geral, falavam
alto, todos juntos. E os campeões puderam escolher o brinquedo de sua preferência.
Em meio ao alvoroço geral fiquei amuado,
calado, com cara de enterro. A professora notou que não era mais o mesmo, que
alguma coisa de errado se abatera sobre mim. Ela me chamou e perguntou se
estava acontecendo alguma coisa, neguei. Houve insistência da parte dela,
neguei novamente e Ela se abaixou e praticamente me colocou no colo e olhando
fixamente em meus olhos disse para falar o que estava acontecendo. Comecei a
chorar a pleno pulmões e dizer o que tinha acontecido que havia esperado a ser
chamado para brincar e que fiquei esperando e não tinha sido chamado.
Com o inesperado a professora não
sabia onde enfiar a cara ficou sem graça, me abraçou e tentou me consolar e
terminar com meu choro convulsionado que cada vez ficara mais alto. Pediu para
que tivesse calma, que havia esquecido e que não foi por mal que fizera aquilo
e blá, blá, blá...
Para aliviar a dor que abatia
sobre mim e presenteou com um carrinho de plástico, onde se acoplava uma bexiga
que cheia dava propulsão para ele andar. Fiquei mais desencantado ainda, não
queria o carrinho. Queria era brincar e ser campeão para poder dividir a
alegria dos vencedores e poder escolher um brinquedo que fazia parte da maioria
das minhas brincadeiras nesse período de pré-primário – a taça.
A taça era de material plástico
resistente, cor creme e próximo à borda tinha desenhos de triângulos vermelhos.
Não era um brinquedo qualquer
toda vez que brincava com ela me sentia com poder total, um rei, um homem rico,
era a personificação do poder e dinheiro no meu imaginário. Somente pessoas
ricas e poderosas bebiam em taças.
E por um esquecimento de uma
professora fez com que perdesse a credibilidade nos adultos e destruísse meu
sonho de poder e riqueza. Depois disso abateu sobre minha alma uma letargia que
perdura até os dias atuais.
Essa história aconteceu por volta
do ano de 1987, tantos anos depois, recordei com riqueza de detalhes ao ganhar
da Gislaine Krausen da Paz uma taça em acrílico com o símbolo do time de
futebol paulista Corinthians.
Depois de quase duas décadas e meia finalmente ganhei o que representava para mim o símbolo do poder, riqueza e
saúde.
Infelizmente não tenho mais idade para brincar de rei ou homem rico que
bebe em taça, o estado de letargia conseguiu deixar suas marcas.
Depois de tantos anos
terei uma taça que representa a profissão que abracei, o símbolo de Farmácia é
uma taça com uma cobra enrolada, talvez estava pré-vendo o meu futuro e não sabia
direito o que era.