Domingo, inicio do ano, todos que conheço estão na praia, ao invés ficar de bode, apesar de ser capricórnio, resolvi escrever. Muitas coisas irrelevantes passam pela cabeça.
De súbito vem o vestido da discórdia em minha mente, mas será por que o vestido da Uniban me pegou de assalto dessa forma, não uso vestido e também não está nos meus planos de usar um, e pior se for igual aquele, em momento algum da minha vida e nem nas próximas encarnações, porque se existe uma coisa boa é nascer homem, se aliviar em pé e em qualquer canto é uma das melhores coisas do mundo, só raspar da do pescoço pra cima também, mas deixando de lado as vantagens de ser homem, voltemos ao santo vestido.
Uma peça vulgar, sem valor, que pode ser comprada nas lojas do Brás, e convenhamos de extremo mal gosto, mas como gosto não se discute, resolvi esquecer o tal vestido e me preocupar com algo melhor.
Olhando meus pertences, encontrei o livro ‘O Anjo Pornográfico – A vida de Nelson Rodrigues’, que li em 1994, aos 15 anos de idade, minha fixação pela idade.
Juro que não imaginei o Nelson Rodrigues usando um vestidinho rosa como o da Geisy e muito menos ele estudando na Uniban e também não passou pela minha cabeça que a Geisy fosse leitora ou conhecesse o mundo rodriguiano.
Mas pensando bem, parece que ela foi tirada de uma das estórias do escritor. Uma suburbana, como dizem os cariocas da gema, em São Paulo ela é mesmo da periferia, para piorar da periferia do ABC, Diadema, que não entra na sigla, por que será?
Garota da periferia ou melhor suburbana, que na sua mais vulgar vivencia vê seu mundo se transformar por causa da moralidade brasileira.
Quem nunca leu Nelson Rodrigues acha que os livros dele é pura safadeza, promiscuidade e aberrações sexuais, ledo engano. Claro, ler a obra completa dele não é muito edificante, principalmente a fase ‘maldita’ do escritor. Sugiro a biografia escrita pelo grande Ruy Castro, que além de destrinçar a vida também o fez com a obra.
Mas deixando a vida do grande Anjo Pornográfico em paz, já que ele nunca usou ou pelo menos não usaria tal vestido, creio, voltemos a Geisy ou melhor a moralidade dos brasileiros.
Não vou ficar discorrendo sobre a obra do Nelson Rodrigues, vou me basear na peça ‘Otto Lara Resende ou Bonitinhas, mas Ordinária’. Quem já viu a peça, ou leu o livro, ou pelo menos viu o filme, lembra-se da frase atribuida ao escritor-jornalista mineiro Otto Lara Resende, “O mineiro só é solidário no câncer”, o mote principal do filme.
O correto seria ‘O brasileiro só é solidário no câncer’, somente quando a desgraça se avizinha é que nos unimos ou desagregramos de vez.
A comoção geral que o vestido causou mostrou que os mesmos valores descrito por Nelson na década de 60 com a peça ainda nos rege fortemente.
E não somente o brasileiro, o povo americano em geral, na peça ‘Gata em Teto de Zinco Quente, de Tennessee Williams, não difere muito. Agora complicou geral, o que tem a ver vestido da Geisy, com Bonitinha, mas Ordinária e Gata em Teto de Zinco Quente?
A Geisy, não é bonita como Elizabeth Taylor e Vera Fischer, atrizes que participaram dos filmes baseados nas peças. Geisy e as duas peças aparentemente não tem nada ver mesmo, mas voltamos a moralidade. Nas peças, o que se discute é a moralidade reinante.
Não seria viver de aparências, como muitos acreditam, mas valores que carregamos, que nos é legado de geração a geração.
Aceitar o vestido da discordia ou não, não é somente um ato de gosto ou preconceito, mas de valores. Muitos diziam aceitar o tal vestido, mas quando indagados se daria um vestido igual para filha, recusava usando as mais diferentes desculpas.
Legal, a filha dos outros tudo bem, as nossas não! Ou como a piada da diferença do viado para o homossexual – viado é o filho dos outros e homossexual o nosso. Assim é o brasileiro, aceita parcialmente tudo, é um povo sem preconceito, não moralista e festivo, onde tudo é carnaval!
Aceitar parcialmente as coisas, não é mais do que aceitar as mudanças para o alheio, mudar valores dentro de casa não pode para não ofender aos mais velhos ou a moral e os bons costumes. Nestas peças, brasileira e estadunidense fere nosso sentido de proteção, pois fere a instituição mais sagrada religiosamente e moralmente, a família.
Sendo eu brasileiro, nascido depois da ‘revolução sexual’, era digital, e tantos outros al, deveria achar normal alguém ter o mal gosto de vestir um vestido cafona e curto, mas o fato não está no gosto realmente e sim na falta de valores. Muitos dos valores morais deixaram de existir realmente, outros permeam nossas vidas, mas valores como etiqueta de vestir, ter educação, acredito que esses valores não precisa deixar de existir.
Vendo aos filmes baseados nas peças, fica evidente o que muitos classificariam como hipocrisia, mas me parece ser educação – realmente o dito popular está certo ‘ roupa suja se lava mesmo em casa’, e fora de casa deveriamos resgatar valores perdidos, um deles é como se vestir para determinadas ocasiões, isto está longe de ser hipocrisia ou moralidade canhestra.
Pra encerrar, o vestido da Uniban, um trecho do conto “O Homem da cabeça de papelão”, de João do Rio: “Cabeças e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra”.